CRÔNICA CARIOCA ( 8 )
AS SEIS TULIPAS
Amanhã almoçarei com o “Pereirinha”. Atualmente, é um acontecimento raro. Ele mora longe e lida com comércio próprio.
Por coincidência, hoje pela manhã, preparei a embalagem do “SEDEX” contendo o meu trabalho, o qual seria enviado para ele, na segunda-feira.
Ele ainda não sabe que está sendo homenageado por mim, juntamente com D. Lídia, sua mãe, logo no início das minhas narrativas.
Há pouco tempo atrás, ele contraiu Dengue hemorrágica e houve complicações renais. Ficou internado em um hospital público por mais de trinta dias. Quase morreu.
Mas ainda não estava na hora!
Não conheço ninguém nessa vida que se pareça com ele. É a pessoa, a qual considero como sendo a mais corajosa “de tudo e para tudo” desse mundo. Quem conhece a sua vida como eu, sabe disso.
Acredito que esse encontro será muito emocionante, devido às diversas situações que estamos passando.
Além do trabalho que preparei, levarei um presente para ele, muito significativo. Meia dúzia de copos de vidro tipo “tulipa”, fabricados na Alemanha, com a logomarca da “CERPA” gravada em ouro.
É um belo presente, além de ser uma raridade.
Mas o mais significativo nisso tudo, é o somatório de motivos para tal gesto de minha parte.
Possuo uma dúzia dos referidos copos e tenho certeza de que nunca mais receberei tantas visitas na minha casa, conforme acontecia em épocas passadas.
Minha vida mudou muito e para pior.
Inativo e “teso”, fui obrigado a reduzir os gastos chamados de “supérfluos”.
O problema é que, para mim, esses gastos eram importantes.
Eu gostava de receber os amigos na minha casa. O “Pereirinha” participava da maioria desses eventos.
Hoje, a maioria dos meus convidados sumiu. Agora, eles teriam que me convidar. Por que não o fazem?
Amanhã, eu serei o convidado.
Atualmente, quando o “Pereirinha” me visita, a despesa fica por sua conta. Ele está em uma situação financeira bem melhor do que a minha.
Então, por que vou guardar indefinidamente meia dúzia de copos, para serem usados no meu velório?
É muito mais racional da minha parte, dá-los a um amigo da velha guarda, o qual quase morreu por causa de um simples mosquito e que, logo após a sua convalescença, virá ao meu encontro para celebrarmos a vida; por sua conta.
A vida é efêmera; o “Aedes Aegypti” sabe.
Não guardo no meu armário nenhuma garrafa de bebida para ser usada em algum evento especial, que nunca acontece, ou para que seja usada como enfeite de mesa. Bebo todas!
Quero usar as tulipas e as garrafas de bebida enquanto posso.
Se algum dia alguém me presentear com uma garrafa de cinco litros de “Whisky” escocês, a qual a maioria das pessoas usam para enfeite de mesa, beberei todo o conteúdo e, caso queira enfeitar alguma coisa, encherei a garrafa com chá preto; a cor é a mesma.
Acredito que, quem tem o hábito de guardar tudo que é bom para usá-lo depois, terá um velório muito concorrido, pois todo o mundo vai querer aproveitar daquilo que o defunto deixou para os “amigos”.
No meu caso, a decepção será total, pois todas as “carpideiras” terão que beber chá preto velho.
Quero que o meu velório seja o mais pobre possível. Nem é necessário coroa de flores.
Acredito que vá faltar “mão” para segurar o caixão!
Crônica Carioca (08) --------------- “By” Vic Dório.
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